sábado, 24 de julho de 2010

Sob as nuvens


E lá estava ela novamente. Sentada no canto do quarto, segurava uma foto em que estava ao lado dele quando ainda eram crianças. Eram tão pequenos, inocentes. Os braços curtos mal alcançavam a mesa para pegar um doce durante aquele aniversário. Porém, mesmo pequeninos, tinham grandes sonhos, simples, mas grandes para eles. Iriam se casar. Tinham mais ou menos 4 anos, planejavam fugir daqui a 15. Escondidos, chegariam até a praia e se casariam com as ondas do mar como testemunhas. Embora jovens, acreditavam nas suas juras de amor, um sentimento raro, puro.

Os 15 anos se passaram. Eles percorreram caminhos diferentes, experiências distintas, por 15 anos não se viram. Todo esse tempo não fez com que seu sentimento amenizasse. Não importava o que acontecesse, seu coração estaria lá, inundando pelas doces lembranças de um primeiro amor, e por todos aqueles anos, seu único amor. Mas aquela tarde era diferente. Aquela foto era sua única lembrança física dele, daqueles momentos. Sem esperar, em sua mente surgiu uma frase que lhe fora dita, mas há muito tempo esquecida:

-Estarei sempre ao seu lado.

Seu corpo resfriou em um instante. Sentiu cada pedaço de seu corpo entrar em compulsivos arrepios. As imagens estavam cada vez mais vivas em sua mente. Agora todas as memórias de quando ainda eram menores, de quando ainda havia tempo, abriram espaço para lembranças recentes, para os sonhos. Lembrou-se de quando se apaixonou por ele, após adultos, sem tê-lo reconhecido. Recordou seu misto de espanto e alegria ao conectá-lo, em sua mente, com aquele garoto, antes frágil e indefeso, depois um homem aparentemente seguro, confiante. Visualizou a primeira vez que o viu pessoalmente, após tanto tempo. Imaginou como devia ter ficado com a expressão de uma adolescente apaixonada. Mas ela sabia que era assim que estava, que se sentia voltando no tempo, não podia ter dissimulado.

Novamente seu corpo demonstrou sinais de fragilidade, calafrios surgiam em suas pernas e atingiam seu pescoço. Nessa linha do tempo, surgiram imagens que não queria ter visto. Lembrou-se da notícia, do choque, da fase em que não acreditava, que imaginava ser mentira, uma mera brincadeira para testar quem realmente o amava, a ultima vez que o viu. A morte. Recordando de cada lágrima que fugia de seus olhos, misturou seu passado, com seu presente, ao sentir novas lágrimas surgirem em sua face. E saiu correndo. Não trancou a porta, nem encostou as janelas, mal fechou o portão. Precisava fugir.

A chuva forte encharcava seus cabelos. Sentia cada gota misturar-se com o gosto salgado de seu pranto. E correu. Correu por ruas desconhecidas, por entre os poucos pedestres que caminhavam por ali. Correu tanto que cansou e caiu no chão, sentando-se na calçada. Cansou, não por não conseguir correr naquelas estradas, mas por não conseguir correr em pensamentos. Nas tantas tentativas inúteis de esquecer, só conseguia amenizar. A chuva não apenas molhava seu corpo, inundava sua alma. Rendeu-se ao cansaço que recaia sobre seu corpo e deitou, ali mesmo.

Então vislumbrou as nuvens. Queria poder toca-las. Queria, nem que por alguns segundos, vê-lo novamente atrás daqueles pedaços de algodão cinza, que deveriam ser sua moradia há algum tempo. Sabia que nunca havia acreditado neste céu figurado, em anjos envoltos em brancos panos protegendo os grandes portões, nem em paraíso, em descanso eterno. Mas isso não importava, não naquele momento. Continuou ali, deitada, fixando-se em uma visão acinzentada. Não necessitava saber para onde ele tinha ido, pois ela sabia que ele nunca mentiu, estaria sempre ao seu lado. E ali permaneceu.


3 comentários:

  1. "Então vislumbrou as nuvens. Queria poder toca-las. Queria, nem que por alguns segundos, vê-lo novamente atrás daqueles pedaços de algodão cinza, que deveriam ser sua moradia há algum tempo. "

    Muito, muito, muito lindo! Boa sorte aí com o blog! Beijos

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  2. Ee, ajudando a expandir seu blog. (ignore)
    Lindo texto. Só consigo pensar nisso para falar.

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