domingo, 26 de setembro de 2010

Cappuccino

Sentada na cafeteria, bebia a terceira xícara de cappuccino com chocolate daquela manhã. Havia três cafeterias no caminho de sua casa até ali, mesmo assim insistia ir naquela, ao menos naquele dia do ano. Também não sabia explicar como o cheiro do café a fazia bem. Apreciava o aroma que era exalado daquela xícara quente, durante minutos, beber o seu conteúdo era apenas uma consequência. Sua atração pelo aroma da cafeína era inexplicável, porém estar ali não era. Seu compromisso secreto anual.

Aquela manhã saiu de casa apressada, estava atrasada. O vestido em um tom de azul céu estava separado há três semanas. Os curtos cabelos castanhos, cuidadosamente bagunçados, voavam com o vento enquanto andava rapidamente para chegar a tempo. Não poderia se atrasar. Há cinco anos, desde a primeira vez, não havia chego fora do horário.
No meio do caminho se lembrou de que esqueceu a revista. Como poderia fingir estar lá por acaso sem nada nas mãos? Parou na primeira banca e comprou uma revista qualquer.
Quando chegou se sentiu aliviada, ainda tinha quinze minutos antes que ele chegasse, como sempre, pontualmente às 9h. Pediu o cappuccino de sempre, de todos os cinco anos. Porém algo errado estava acontecendo, já era 9h20min e ele não havia chego.
Todos os anos, no primeiro dia de primavera ele aparecia. Apenas nessa data e ela o via apenas naquela cafeteria. Chegava com uma cesta de tulipas, suas preferidas. Sentava-se na última mesa, pedia um café, e após o segundo ano também pedia um cappuccino, como se esperasse alguém. Tomava o café, enquanto a outra xícara se encontrava disposta em sua frente, esfriando. Após exata 1h ele saia, deixando o cappuccino sozinho em cima da mesa. E ela estava sempre lá, do outro lado do estabelecimento, com sua revista, fingindo estar lendo, enquanto admirava aquele homem e sua única chance de lhe ver durante todo o ano.
Sabia que ele nem imaginava sua existência, mas se preparava cuidadosamente todos os anos, para aquele encontro solitário. Quem sabe um dia ele notaria sua presença; era sua esperança. Não sabia como, nem porque, mas seu coração o pertencia durante todos esses anos. “Loucura” pensava. Justo ela, que não acreditava em amor à primeira vista, muito menos somente a vista. Porém sentia que era algo sem explicação, e seu sentimento ia além de uma conexão física. Havia descoberto poucas coisas sobre ele com as donas do lugar, mas o essencial sabia: era solteiro, reservado, bondoso e adorava crianças.
Estava levemente desesperada. O que poderia ter acontecido? E se não o visse mais? Por que não havia tomado coragem há alguns anos atrás? Passou-se 1h e a mesa dele ainda estava vazia. Suas esperanças tornaram-se mais frias que o cappuccino que esfriara em sua mesa. Não sabia o que fazer, ultimamente seus dias eram preenchidos pela expectativa desse dia. Resolveu sair.
De cabeça baixa e coração apertado abriu a porta da cafeteria. Quase não percebeu a tulipa colocada no cantinho da calçada, com um bilhete e seu nome em cima. Assustou-se, mas esse sentimento foi logo preenchido pela ansiedade e esperança. Abriu o bilhete e seus olhos brilharam com o conteúdo:
“Estou atrasado e precisaria de tempo para explicar. Que pena não poder te ver hoje. Quem sabe no próximo ano você aceite tomar um cappuccino comigo, há quatro anos ele espera sua presença na minha mesa. A propósito, seu vestido azul estava lindo, como o céu de hoje.”
O primeiro dia de primavera nunca foi tão doce. Saiu cantarolando, feliz, ansiosa pelas próximas quatro estações.

domingo, 22 de agosto de 2010

Resistência

Thomas puxou meu braço bruscamente, forçando-me a virar e encará-lo:

- O que pensa que está fazendo, Jay? - ele indagou, com a voz alterada e enfurecida. - Como pode beijá-lo na minha frente? Não faz três dias que terminamos.

- Concordo plenamente. Terminamos! - enfatizei.

- Não entendo como me enganei tanto com alguém. Como pode? E todo aquele amor que me prometeu, todos os desejos de que ficássemos juntos, todos os beijos, onde estão agora? Trocados pelo sabor de uma boca desconhecida. – ele me olhava incrédulo. Quem o visse teria pena de sua expressão de fragilidade.

- Ah, agora entendo sua preocupação. Quem sabe se todos os nossos sonhos fossem trocados por uma boca conhecida não teria problemas. Por isso você não se importou em beijar minha prima, enquanto ainda tínhamos compromisso um com o outro. Ao menos eu pensei que tínhamos.

- Eu já lhe disse que a culpa não foi minha, ela me agarrou. – falava isso com tanta convicção que até ele acreditaria em suas falsas verdades.

- Ela? Todas as cinco vezes? – nesse ponto o garoto que me acompanhava já havia saído, percebeu que eu não me importava se ele estava ali ou não. Embora magoada e com raiva, a presença de Thomas era essencial para que eu me sentisse viva, mesmo nesta situação.

- Você precisa entender, eu tenho necessidades e desejos que às vezes não consigo controlar. Lembre-se de todas as tardes, dos aniversários, dos nossos planos. Lembra que só eu te faço sorrir em um dia de chuva forte, enquanto seguro sua mão para que não tenhas medo dos trovões? E além do mais, não se conter é normal, eu sou Homem.

- Homem? Você é um garoto imaturo. É incrível como mesmo quando apela para minhas memórias e quase me faz acreditar que realmente foi algo perdoável, você estraga tudo. Homem... Como se isso lhe desse direito a algo. – falei com raiva, indignada.

Avistei outro garoto, não o que me acompanhara até aquela festa. Fui a sua direção e o beijei. Queria mostrar para Thomas que não dependia dele, que poderia superar todas as sensações que ele me trazia. Beijar outra pessoa não era fácil, mas perdoa-lo era ainda mais difícil.

Enquanto o garoto que eu havia beijado saia assustado e pedindo para que eu não fizesse isso em outro momento, Thomas novamente me puxou, agora com mais força e brutalidade. Segurou meus braços firmemente. Encarando-me, senti sua respiração ofegar, mas não era por paixão, e sim por nervosismo com toda aquela situação, era movido pelo orgulho:

- Qual sua intenção? – bufou. Não precisa responder, já sei. Você quer me matar aos pouquinhos, lentamente. Você beija vários para mostrar que já me esqueceu, mas ainda sou seu dono. Esse é seu plano. Mas desista, não fugirás de mim assim tão rápido.

- Não tenho pressa, não tenho plano, não tenho dono. – virei e sai em direção à rua. Não poderia mais encará-lo, ele iria perceber que eu estava dissimulando. Mesmo com a decepção impedindo que eu colasse os pedaços partidos desse sentimento, não conseguia esquece-lo.

Eu menti. O que mais tinha era pressa de tirar Thomas de mim. Meu plano era encontrar em outras bocas sabor tão doce. Quanto ao dono, meu coração ainda o pertencia, meus pensamentos também. Mas não voltaria atrás. Não foi o beijo na minha prima e sim a quebra da confiança. Como poderia acreditar em seu olhar e suas palavras agora?

- Mas Jay, eu te amo. – tive tempo de escutar antes de entrar no carro.

Aquelas palavras apertaram aqui dentro. Como podiam ser tão importantes? Olhei novamente para ele, queria correr em sua direção. A chuva caia forte e o vento era frio. Mesmo assim a noite estava bela. Seria a reconciliação perfeita se o abraçasse naquele momento. Conclui:

- O azar é seu. E não me chame de Jay, meu nome é Janett.

Entrei no carro e parti. Meu coração queria ficar, era difícil, mas decidi não olhar para trás. Ouvi lá fora um forte trovão. Infelizmente só ele me fazia sorrir em um dia de chuva forte, enquanto segurava minha mão para que eu não tivesse medo dos trovões.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Somewhere to call mine



Quando sonho acordada
Vou para um simples lugar
Não há prédios, não há casas
Somente um verde gramado sob o luar

Deito, então, na grama
E vislumbro o negro céu
As estrelas são como as palavras
Brilhando sobre uma folha de papel

Não sinto raros perfumes
Apenas um forte cheiro de café
E os desconfortáveis altos sapatos
Não estão nos meus descalços pés

Não há vozes, não há carros
Ouço nenhuma música a tocar
Pois não há tão bela melodia
Quanto o silêncio que domina o ar

Não necessito de tantas roupas
A inebriante brisa envolve meu corpo
E dos amargos sabores da vida
Apenas de esperança eu sinto o gosto

Um lugar que não julga meu eu
Cercada de horizontes sem fim
E quando pingos de chuva atingem meu rosto
Percebo ser o melhor lugar para mim

É fácil me fazer feliz
Sequestre-me desta vida padronizada
Leve-me para um simples lugar
O mesmo de quando sonho acordada






quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Salto ao real


Buscando sedentamente por esperança

Nos olhos de estranhos que via pela rua

Baixava a cabeça, cansada

Por que a verdade pode ser tão triste quando nua?


Quando seus pés não tocavam o chão

Eram bons tempos de outrora

Mas voaram juntos dos sonhos os seus sorrisos

Que passam longe de sua face agora


Seus olhos não são mais dele

Pediu que jogasse ao mar as suas cartas

Que esquecesse todos os toques

Perdeu o valor daquelas tantas palavras


Procurando por um sentido

Alguém para mostrar-lhe a direção

Seu corpo percorria os caminhos

Que sua mente trilhava em contramão


Então caiu do alto daquela mais alta torre

Que de olhos fechados, subiu os degraus rápido demais

Não sabia se era certo saltar para a realidade

Mesmo assim sorriu, sabia não poder mais voltar atrás


quinta-feira, 5 de agosto de 2010

10 coisas que odeio em você

Sabe, se você quer sinceridade, prepare-se psicologicamente. Você perguntou se há algo que me irrita em você, bem...

1 – Odeio quando vou arrumar meu cabelo pela manhã e você diz que não está bom, que ele é naturalmente ruim, me fazendo passar horas tentando disfarça-lo.

2 – Odeio quando preciso ir para o computador estudar e você fica utilizando-o, fazendo de tudo quanto desnecessário possível, menos me deixando estudar.

3 – Odeio começar uma dieta saudável toda segunda-feira e terça-feira você aparecer com deliciosos chocolates em mãos, atiçando minha gula.

4 – Odeio quando estou atrasada porque você provou 99 roupas, para no fim, usar a mesma que vestiu a semana inteira.

5 – Odeio quando quero usar salto alto e você coloca tanta pressão psicológica que acabo me desequilibrando.

6 – Odeio como você não tem discrição e com seus olhos revelam minha paixão escondida ao vê-lo passar.

7 – Odeio quando algo me deixa tímida e tento disfarçar, mas com sua expressão, você me entrega perante os outros.

8 – Odeio quando você imagina uma cena engraçada e começa a rir solitariamente no meio de muitas pessoas, muitas vezes aparentando ter esquizofrenia.

9 – Odeio quando você confia demais nos outros e acaba se machucando, enchendo minha cabeça por horas com suas tristezas.

10 – Odeio quando tenho mentalmente o que falar na frente Dele, mas você me faz entrar em pane e ficar com cara de boba.

Não adianta ficar me olhando com essa cara de espanto. É, você mesmo ai do outro lado do espelho, repetindo todos os meus movimentos e me seguindo por todo lugar. O que posso fazer se amo te odiar? E mexa-se, vamos logo, tenho que falar algumas verdades para outra inconveniente, uma tal de sombra. Conhece?

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Última gota de esperança

Não aguento mais um gole. Em minha boca sinto somente o amargo gosto de tantas bebidas. Ao meu redor tudo se movimenta, sem sair do lugar. Há muitos rostos, mas só vejo expressões vazias. São pessoas como eu. Saímos da realidade de nossas vidas, fumando, bebendo, nos drogando e transando com qualquer um. Tentamos, em vão, dar um sentido para uma vida vaga. Vomito mais uma vez.

Resolvo sair dali. Não consigo alcançar o efeito que antes atingia, mesmo tendo tomado tudo o quanto pude. Antes me sentia leve, tranquila, meus problemas sumiam durante uma noite de drogas e pecados, mas apenas por uma noite. No outro dia sentia fortes dores de cabeça e vomitava a todo o momento, mas ainda valia pelo meu momento de prazer, minha fuga. Hoje restam apenas as dores e náuseas, antes mesmo da noite acabar. Não consigo mais esconder a realidade.

Passo correndo, um pouco tonta, por aqueles corredores imundos. Bato o portão da casa. Saiu vagando por aquela rua vazia e triste, como minha alma. Está muito frio e dos seis postes, apenas dois ainda funcionam, mal iluminando o caminho. Indago-me porque faço isso, o que mais quero da vida. Tenho uma grande casa, sempre cheia de muitos amigos, pais casados que ganham bem, o carro do ano e as roupas da moda, além de uma boa mesada. Porém minha casa está cheia de amigos que não se importam com o que há embaixo dessas roupas da última estação, pais que tentam suprir a falta de carinho, sua ausência e suas traições, com dinheiro, atendendo a cada capricho material meu. Um carro que me leva para qualquer lugar, menos para onde está minha felicidade. Preciso de um sonho, uma esperança, um amor.

Percebo que caminhei até uma antiga ponte. Vejo meu reflexo na água e sinto vergonha da imagem que encaro. Imagino como deve estar gelado ali. Será que sentiriam minha falta? Meus pais? Ocupados demais. Meus amigos? Desejam tomar meu lugar, ah, se soubessem... Começo a tirar cada peça de roupa. Sinto o frio tocar meu corpo. Enquanto lágrimas escorrem por meu rosto, procuro, em meus últimos segundos, uma razão para continuar viva. Com as pernas tremulas, subo na proteção da ponte. Suspiro.

Estou sentindo cada fibra do meu corpo ficar imóvel. A água penetra minha pele como finas agulhas de cristal. Não penso em mais nada. Fecho meus olhos e vislumbro um sonho eterno. Minhas preocupações e tristezas afundam como um grande navio em meio ao oceano. O navio está me levando para longe, muito longe. E assim leva minha alma, transformada em minha última gota de esperança.

sábado, 24 de julho de 2010

Sob as nuvens


E lá estava ela novamente. Sentada no canto do quarto, segurava uma foto em que estava ao lado dele quando ainda eram crianças. Eram tão pequenos, inocentes. Os braços curtos mal alcançavam a mesa para pegar um doce durante aquele aniversário. Porém, mesmo pequeninos, tinham grandes sonhos, simples, mas grandes para eles. Iriam se casar. Tinham mais ou menos 4 anos, planejavam fugir daqui a 15. Escondidos, chegariam até a praia e se casariam com as ondas do mar como testemunhas. Embora jovens, acreditavam nas suas juras de amor, um sentimento raro, puro.

Os 15 anos se passaram. Eles percorreram caminhos diferentes, experiências distintas, por 15 anos não se viram. Todo esse tempo não fez com que seu sentimento amenizasse. Não importava o que acontecesse, seu coração estaria lá, inundando pelas doces lembranças de um primeiro amor, e por todos aqueles anos, seu único amor. Mas aquela tarde era diferente. Aquela foto era sua única lembrança física dele, daqueles momentos. Sem esperar, em sua mente surgiu uma frase que lhe fora dita, mas há muito tempo esquecida:

-Estarei sempre ao seu lado.

Seu corpo resfriou em um instante. Sentiu cada pedaço de seu corpo entrar em compulsivos arrepios. As imagens estavam cada vez mais vivas em sua mente. Agora todas as memórias de quando ainda eram menores, de quando ainda havia tempo, abriram espaço para lembranças recentes, para os sonhos. Lembrou-se de quando se apaixonou por ele, após adultos, sem tê-lo reconhecido. Recordou seu misto de espanto e alegria ao conectá-lo, em sua mente, com aquele garoto, antes frágil e indefeso, depois um homem aparentemente seguro, confiante. Visualizou a primeira vez que o viu pessoalmente, após tanto tempo. Imaginou como devia ter ficado com a expressão de uma adolescente apaixonada. Mas ela sabia que era assim que estava, que se sentia voltando no tempo, não podia ter dissimulado.

Novamente seu corpo demonstrou sinais de fragilidade, calafrios surgiam em suas pernas e atingiam seu pescoço. Nessa linha do tempo, surgiram imagens que não queria ter visto. Lembrou-se da notícia, do choque, da fase em que não acreditava, que imaginava ser mentira, uma mera brincadeira para testar quem realmente o amava, a ultima vez que o viu. A morte. Recordando de cada lágrima que fugia de seus olhos, misturou seu passado, com seu presente, ao sentir novas lágrimas surgirem em sua face. E saiu correndo. Não trancou a porta, nem encostou as janelas, mal fechou o portão. Precisava fugir.

A chuva forte encharcava seus cabelos. Sentia cada gota misturar-se com o gosto salgado de seu pranto. E correu. Correu por ruas desconhecidas, por entre os poucos pedestres que caminhavam por ali. Correu tanto que cansou e caiu no chão, sentando-se na calçada. Cansou, não por não conseguir correr naquelas estradas, mas por não conseguir correr em pensamentos. Nas tantas tentativas inúteis de esquecer, só conseguia amenizar. A chuva não apenas molhava seu corpo, inundava sua alma. Rendeu-se ao cansaço que recaia sobre seu corpo e deitou, ali mesmo.

Então vislumbrou as nuvens. Queria poder toca-las. Queria, nem que por alguns segundos, vê-lo novamente atrás daqueles pedaços de algodão cinza, que deveriam ser sua moradia há algum tempo. Sabia que nunca havia acreditado neste céu figurado, em anjos envoltos em brancos panos protegendo os grandes portões, nem em paraíso, em descanso eterno. Mas isso não importava, não naquele momento. Continuou ali, deitada, fixando-se em uma visão acinzentada. Não necessitava saber para onde ele tinha ido, pois ela sabia que ele nunca mentiu, estaria sempre ao seu lado. E ali permaneceu.